“Richard Francis Burton (1821-1890) não terá sido um típico inglês vitoriano. Reconhecido enquanto escritor e tradutor, era um linguista estudioso e dominava 29 idiomas e vários dialetos. Personalida­de espantosa, quase irreal, irascível segundo reza a sua história, foi geógrafo, antropólogo, especialista em costumes e povos orientais e africanos, que estudou diretamente nos territórios que percorreu enquanto explorador. Misturava a atitude de aven­tureiro à da condição de ter sido um dos primeiros etnólogos “”no terreno”” que tiveram a preocupação de escrever sobre essas observações, numas dezenas de livros ainda hoje marcantes. Temerário, correu riscos de vida, como quando penetrou no espaço sagrado de Meca disfarçado de afegão. De cultura muito acima da média, lia imenso e inte­ressadamente, tendo traduzido, naquela época e ambiente puritano, obras como “Kama Sutra” e “As Mil e Uma Noites’. Quando verteu esta última para inglês causou escândalo por causa das polémicas notas de rodapé, consideradas arrojadas. Militar na Índia, onde foi capitão, tornou-se perito na arte do disfarce. Em 1880, 300 anos depois da primeira edição. concluiu a tradução para inglês de ‘Os Lusíadas”. A obra seduzira-o e cumpriu a empreitada com afinco e critério, num empenhado rigor respeitando a regularidade formal, mantendo a métrica camoniana, as rimas e o sistema de decassílabos, sabendo-se como é difícil traduzir escrupulosamente poesia. Claro que se descobrem na tradução, algumas opções pelo menos ‘curiosas’. Mas serão questão de gosto, não de incapacidade técnica do autor de “Ensaio Final”, “onde ele apresenta a história, os usos e costumes, os princípios e a religião de vários povos, além de relacioná-los com outras culturas”. Quanto à edição bilíngue de “OS LUSÍADAS”, agora lançada pela COMPASSO DOS VENTOS, trata-se de um trabalho memorável que faz jus ao nosso poema épico e à opinião embevecida que o tradutor britânico tinha de Camões, por quem é natural que sentisse afinidades pelo modo de vida, ambos injustiçados e incompreendidos pelos seus contemporâneos: “Grande poeta e peregrino do mar e da terra; vossa longa vida desafia a mais inconstante vontade da fortuna. Condenado a todo o mal dos homens e das feras, a despeito do vosso coração bondoso e da vossa mão heroica; tomada da vossa pena tal maravilhosa união das formas divinas preenchestes páginas douradas; amor. honra. justiça, valor, glória estremecestes a alma. obediente ao vosso poderoso comando (…).”

ANTÓNIO LOJA NEVES

OS LUSÍADAS/THE LUSIADS

Luís Vaz de Camões

Compasso dos Ventos

2016, Trad. de Richard Francis Burton (ed. bilíngue), 730 págs. € 33,90

Poema épico “OS LUSÍADAS: THE LUSIADS NA REVISTA E – JORNAL EXPRESSO